Com isenção de IR perto do fim, CRIs, CRAs e debêntures batem recorde de negociação

25/08/2025 • 6 mins de leitura

Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAsmovimentaram R$ 615 bilhões no mercado secundário apenas nos sete primeiros meses deste ano, um crescimento de 14% em relação a 2024 e de 47% em dois anos. Puxado especialmente pelas debêntures, uma das explicações para essa corrida é que os papéis incentivados estão prestes a perder a isenção de imposto de renda. 

Assim, muitos investidores querem garantir o benefício antes que seja tarde. No entanto, existem riscosO caso recente da securitizadora Virgo, acusada de usar indevidamente R$ 216 milhões de fundos de reserva de CRIs e CRAs, reforça os alertas sobre esse mercado.

Segundo dados da Pop BR, empresa da LUZ Soluções Financeiras, especializada em calcular o preço dos ativos no mercado secundário, nos primeiros sete meses deste ano a movimentação foi de R$ 488 bilhões em debêntures, R$ 76 bilhões em CRIs e R$ 51 bilhões em CRAs. Para se ter uma ideia, em 2021, o volume não chegava a R$ 210 bilhões, com R$ 168 bilhões em debêntures e o restante dividido entre CRIs e CRAsA alta, portanto, foi de quase 200% em cinco anos.

Por outro lado, a quantidade negociada de títulos diminuiu. Ela saiu de 10,5 bilhões de papéis nos sete primeiros meses de 2024 para 6,2 bilhões no mesmo período de 2025O número de negociações, por sua vez, aumentou de 2,1 milhões para 2,5 milhões, também considerando os mesmos intervalos. A diferença entre o número de operações e a quantidade de papéis negociados se dá porque uma operação não envolve só um papel, ela pode envolver vários.

Assim, a relação entre a quantidade de papéis negociados e o número de negócios caiu de 4,9 mil papéis por operação em 2024 para para 2,5 mil em 2025, o que indica um crescimento na participação das pessoas físicas nesse tipo de investimento.

“Se eu comprar um carro, compro um. Quando a locadora de automóveis compra, são centenas. No mercado de títulos é a mesma coisa. Uma pessoa física vai comprar uma ou duas debêntures. Já um fundo de investimento compra algumas centenas. E nós vemos uma queda na quantidade de ativos envolvidos em cada negociação. Isso nos faz entender que há uma quantidade maior de pessoas físicas negociando”, afirma Aruã Torigoe Kalmus, analista da Pop BR e responsável pelo levantamento.

O aumento do interesse das pessoas físicas tem como explicação dois pontos principais: a taxa de juros alta no país, que aumenta a atratividade da renda fixa, e a perspectiva do fim da isenção de imposto desses títulos.

Para quem não se lembra, o governo editou uma Medida Provisória (MP) para recalibrar o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras, o IOF. Com isso, a isenção de Imposto de Renda sobre os ganhos com investimentos em CRIs, CRAs e debêntures incentivadas vai acabar. Os estoques desses títulos, no entanto, desde que emitidos até o fim do ano, continuarão isentos.

O que isso significa, na prática? Que tudo que for emitido até dezembro de 2025 seguirá sem imposto. Portanto, as empresas estão correndo para emitir suas dívidas com esse benefício e os investidores, especialmente pessoas físicas, estão na disputa para garantir seus títulos isentos.

Muita calma nessa hora!

A grande questão aqui é que, embora seja possível para a pessoa física investir diretamente nesses ativos, esse tipo de aplicação não é simples porque cada título pode ter condições diferentes.

Para saber se um papel vale a pena, é preciso avaliar o risco de crédito, as garantias, a remuneração, o histórico de pagamentos das empresas e, principalmente, entender se o preço oferecido é justo. E essas informações nem sempre estão facilmente disponíveis, especialmente para as pessoas físicas. Além disso, elas exigem mais conhecimento sobre os detalhes do mercado financeiro e até mesmo de contabilidade para interpretá-las. E, segundo os especialistas, a quantidade de pessoas que entende bem o produto ainda é minoria.

“No geral, o investidor pessoa física não tem noção no que está investindo. Ele se apega no fato de ser uma renda fixa isenta. E às vezes coloca 30%, 40% da carteira em um CRI. Tem gente que entende, faz as perguntas certas, mas é a minoria. Se a pessoa não se interessa em conhecer as garantias da emissão, ela não entendeu nada”, afirma Michael Viriato, estrategista da Casa do Investidor.

E afinal, que garantias são essas?

Os CRIs e os CRAs são títulos lastreados em direitos creditórios. Ou seja: em créditos que a empresa tem a receber. A garantia, no caso dos CRIs, vem de contratos ligados ao setor imobiliário (como financiamentos de imóveis ou aluguéis) e, nos CRAs, ela vem de operações ligadas ao agronegócio (como vendas de grãos ou insumos).

Já as debêntures são dívidas emitidas diretamente por empresas para captar recursos. Sua segurança varia conforme o título. Alguns têm garantia apenas com base na saúde financeira da empresa, outros têm garantias adicionais vinculadas aos bens e ativos da companhia.

Como as análises para estimar o risco de cada emissão são complexas, existem empresas especializadas em fazer essa avaliação e que dão uma nota para cada título. São as agências de classificação de risco. Os títulos mais seguros têm a nota máxima de AAAOs que deram calote têm a nota DDa nota BBB para cima já é considerado um título bom para investirAbaixo é considerado um investimento com muito risco.

O problema é que essas notas podem mudar ao longo do tempo. Em casos extremos, um título considerado triplo A pode ter a nota reduzida para D. É um risco que o investidor tem que acompanhar.

E um ponto importante: os títulos de crédito privado não estão cobertos pelo Fundo Garantidor de Créditos, o famoso FGC. O seguro do FGC é restrito para os títulos emitidos por instituições financeiras.

Um exemplo recente dos riscos desse mercado é o caso da securitizadora Virgo, alvo de queixa na CVM pelo suposto uso indevido de recursos de fundos de reversa de CRIs e CRAs. Segundo a denúncia, pelo menos R$ 216 milhões teriam sido movimentados de forma irregular em cerca de 80 operações.

Esses fundos funcionam como uma espécie de colchão de segurança para os investidores e, por regra, só podem ser aplicados em ativos líquidos e conservadores. No entanto, parte deles teria sido direcionada para aplicações de maior risco e baixa liquidez, o que gerou pressão de investidores pela devolução dos recursos e levantou dúvidas sobre a governança e a transparência no setor.

Mas não é só isso…

Um outro ponto que também precisa ser levado em consideração é a liquidez desses produtos. Trocando em miúdos: a facilidade de vendê-los no mercado secundário, caso o cliente precise do dinheiro aplicado naquele título. Afinal, o prazo de vencimento de muitos títulos pode ultrapassar os dez anos.

E muitos investidores têm comprado os títulos agora com a esperança de vender com lucro mais para frente. Isso porque os títulos isentos emitidos neste ano tendem a se valorizar no ano que vem, quando os novos papéis terão imposto de rendaDaniel Brandão, principal executivo do banco de investimento da Monte Bravo, explica que, no cenário atual, o mercado de crédito privado pode ser comparado com o mercado de imóveis, onde um investidor compra um apartamento “na planta” e para lucrar depois, vendendo mais caro.

“O investidor adquire o título no mercado primário, diretamente na emissão, com uma taxa mais atrativa (por exemplo, CDI, taxa equivalente à Selic, mais juros de 2% ao ano). Se depois ele quiser vender no mercado secundário, talvez consiga repassar por CDI mais 1,5% ao ano e embolsa essa diferença”, explica.

Nos títulos de renda fixa, uma redução da remuneração implica em aumento do preço de mercado. Na prática, significa um ganho para quem comprou o título antes. E esse ganho é proporcional ao prazo de vencimento: quanto maior o prazo, maior o lucro.

Esse movimento mostra a evolução do mercado, já que antes a pessoa física dificilmente tinha acesso a esse tipo de operação. Mas também deixa claro que há risco: nem sempre será possível revender o papel em condições favoráveis, especialmente se houver uma redução da nota de crédito da empresa que emitiu o título. Isso exige do investidor atenção redobrada e, muitas vezes, proximidade de assessores ou gestores que conheçam bem esse universo.

Faltam dados para o investidor

E aí entra a necessidade de mais informações e dados para o investidor pessoa física. Segundo Suelen Salgo, presidente da LUZ Soluções Financeirasinvestir em CRIs, CRAs e debêntures exige que o investidor tenha acesso a mais informações e ferramentas de análise, justamente porque esses ativos ainda carecem de referências claras de preço no mercado secundário.

Diferente de ações, que muitas têm alta liquidez e cotações públicas, esses títulos podem apresentar variações muito amplas entre ofertas, além de preços com muitas oscilações, o que dificulta a avaliação justa do papel.

“Para a pessoa física, que muitas vezes está lidando com essa classe de ativos pela primeira vez, isso significa maior risco de tomar decisões pouco informadas. Por isso, torna-se essencial contar com infraestrutura adequada, como simuladores, calculadoras nos aplicativos de bancos e relatórios acessíveis, além do apoio de assessores capacitados, que ajudem a interpretar as condições do mercado e vincular cada decisão a um objetivo financeiro concreto”, afirma.

No fim das contas, o aumento da popularidade de CRIs, CRAs e debêntures mostra como as pessoas físicas estão se interessando cada vez mais pelo mercado financeiro. Mas, com esse avanço, vêm também os desafios de trazer informações e autonomia suficiente para que os investidores consigam tomar as melhores decisões, cientes das oportunidades, mas também dos riscos.

Matéria publicada no Valor Investe.

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