Monte Bravo
11/03/2024 • 2 mins de leitura
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Para o investidor pessoa física, especialmente aqueles com patrimônios mais robustos, a medida representa uma redução significativa na eficiência tributária dos portfólios
A Medida Provisória 1303/2025, que propõe o fim da isenção de Imposto de Renda para LCI, LCA, CRI, CRA, debêntures incentivadas e rendimentos de fundos imobiliários e do agronegócio, marca um ponto de inflexão no mercado brasileiro de investimentos. Mais do que uma simples mudança tributária, representa um sinal claro de que o planejamento patrimonial no Brasil precisa se reinventar diante de um cenário de crescente instabilidade regulatória.
Para o investidor pessoa física, especialmente aqueles com patrimônios mais robustos, a medida representa uma redução significativa na eficiência tributária dos portfólios. A migração de uma tributação zero para 5% nos rendimentos desses ativos pode parecer modesta à primeira vista, mas quando analisada sob a ótica do planejamento sucessório e da maximização de rentabilidade líquida, o impacto revela-se substancial.
A regra de proteção do estoque existente, que garante que títulos emitidos até 31 de dezembro de 2025 mantenham sua isenção até o vencimento, cria uma janela de oportunidade que, paradoxalmente, pode gerar distorções significativas no mercado. Já observamos uma corrida desenfreada por esses papéis, independentemente de sua adequação ao perfil de risco do investidor, um comportamento que contraria os princípios básicos de uma alocação racional de recursos.
Esta busca desesperada por títulos isentos tem levado investidores a tomar decisões precipitadas, priorizando a questão tributária em detrimento de aspectos fundamentais como liquidez, prazo de vencimento e adequação ao perfil de investimento. O resultado é uma potencial desconstrução de portfólios equilibrados em favor de uma concentração excessiva em ativos que logo perderão sua principal vantagem competitiva.
O que mais preocupa, do ponto de vista jurídico e de planejamento patrimonial, não é uma medida isolada, mas o padrão sistemático de alterações tributárias que temos observado nos últimos anos. Em menos de dois anos, o mercado foi confrontado com propostas de tributação sobre aplicações financeiras no exterior, mudanças nas regras de transfer pricing, alterações no regime de incentivos fiscais, propostas de Imposto de Renda mínimo para grandes fortunas e, agora, o fim de isenções históricas no mercado doméstico.
Esta avalanche regulatória compromete gravemente a capacidade de estruturação de estratégias tributárias de médio e longo prazo. Como advogada especializada em planejamento patrimonial, observo que clientes estão cada vez mais receosos em implementar estruturas que dependam de estabilidade normativa, um requisito básico para qualquer planejamento sério. A insegurança jurídica tornou-se um dos principais fatores de risco a ser considerado em qualquer estruturação patrimonial.
O fenômeno não se limita ao aspecto tributário. A constante mudança de regras cria um ambiente de incerteza que afeta decisões de investimento, estruturação familiar e até mesmo escolhas sobre domicílio fiscal. As famílias com patrimônios significativos começam a questionar se o Brasil ainda oferece um ambiente previsível para o planejamento de longo prazo.
A tributação das Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs) representa um ataque direto ao financiamento privado de um dos setores mais estratégicos da economia brasileira. Esses títulos foram criados justamente para canalizar recursos da poupança doméstica para o agronegócio, oferecendo uma alternativa ao financiamento bancário tradicional. Com a perda da atratividade tributária, é provável que vejamos uma migração significativa de recursos para outras classes de ativos, reduzindo drasticamente a oferta de capital para o setor.
O impacto não se limita ao volume de recursos disponíveis. O aumento do custo de captação para empresas do agronegócio, que precisarão oferecer spreads maiores para compensar a nova carga tributária, pode tornar projetos marginalmente viáveis em investimentos antieconômicos. Há também o risco de uma concentração bancária ainda maior no financiamento agrícola, reduzindo a diversificação de fontes de capital e aumentando a dependência do setor em relação ao sistema financeiro tradicional.
No mercado imobiliário, o cenário apresenta desafios similares, mas com complexidades adicionais. Os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) perdem competitividade frente a outros investimentos, enquanto os fundos imobiliários enfrentam uma tributação híbrida que pode confundir investidores menos sofisticados. A manutenção da isenção apenas para cotas emitidas até dezembro de 2025 criará um mercado segmentado, com diferentes regimes tributários convivendo simultaneamente, o que pode gerar distorções de preços e complexidades operacionais significativas.
Diante deste cenário de instabilidade regulatória crescente, algumas reflexões estratégicas se fazem necessárias para investidores e seus consultores. A diversificação geográfica ganha relevância crescente, especialmente para famílias com patrimônios mais substanciais. Jurisdições com maior estabilidade tributária e marcos regulatórios mais previsíveis tornam-se naturalmente mais atrativas para parcelas significativas do patrimônio familiar.
A revisão de estruturas societárias existentes pode ser necessária, especialmente para investidores com exposição significativa aos ativos que serão afetados pela nova legislação. Estruturas que foram otimizadas para o regime tributário anterior podem não fazer mais sentido no novo contexto, exigindo reorganizações que considerem tanto a eficiência tributária quanto a flexibilidade para futuras mudanças.
A aceleração de estratégias de planejamento sucessório torna-se igualmente relevante. Janelas regulatórias ainda abertas devem ser aproveitadas antes que novas mudanças normativas as fechem. O timing das transferências patrimoniais e a estruturação de veículos de investimento familiar ganham urgência diante da possibilidade de alterações futuras ainda mais restritivas.
O monitoramento ativo da tramitação legislativa da MP 1303/2025 é fundamental, uma vez que o texto ainda pode ser modificado, desidratado ou até mesmo rejeitado pelo Congresso Nacional. A resistência política observada em diversos setores sugere que a versão final, se aprovada, pode ser significativamente diferente da proposta original.
A MP 1303/2025 transcende questões puramente tributárias e simboliza a erosão gradual dos incentivos que tornaram o Brasil competitivo para determinados tipos de investimento. Em um mundo globalizado onde capital é móvel e países competem ativamente por recursos, medidas que reduzem a competitividade tributária nacional precisam ser cuidadosamente avaliadas em suas consequências de longo prazo.
Para os profissionais do mercado financeiro e jurídico, fica evidente a necessidade de desenvolver estratégias mais flexíveis e adaptáveis. O planejamento patrimonial brasileiro precisará incorporar maior dinamismo e capacidade de resposta rápida às mudanças regulatórias, abandonando modelos baseados em estabilidade normativa de longo prazo.
O desafio que se impõe agora é navegar por este novo ambiente regulatório mantendo o foco no objetivo primordial de qualquer planejamento patrimonial sério: a preservação e maximização do patrimônio familiar ao longo de gerações, independentemente das turbulências regulatórias que possam surgir no caminho.
A questão central não é mais se haverá mudanças tributárias, mas quando elas ocorrerão e como os planejadores patrimoniais se adaptarão a um cenário de permanente instabilidade normativa. A capacidade de antecipação e adaptação tornaram-se competências essenciais, em um mercado em que a única certeza é a incerteza regulatória.
Marina Gonçalves, advogada e Head de Wealth Planning da Monte Bravo
Artigo de opinião publicado no portal de notícias Capital Aberto.