Para o FMI, economia global mostrou resiliência ao choque tarifário

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Por: Monte Bravo
20/10/2025 • 10 mins de leitura

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A cada seis meses, presidentes de bancos centrais e figuras importantes para a economia mundial se reúnem para discutir os tópicos como inflação, crescimento econômico e política monetária.

A segunda reunião de 2025 aconteceu na semana passada, entre os dias 13 e 18 de outubro, em Washington. Nosso estrategista-chefe, Alexandre Mathias, esteve na capital dos Estados Unidos para acompanhar o fórum.

Abaixo, você confere um resumo com os principais tópicos abordados:

1. Economia global mostrou resiliência ao choque tarifário

Seis meses após as tarifas dos Estados Unidos, o impacto sobre o crescimento global revelou-se menos severo do que o inicialmente projetado. Em abril, o FMI alertava para uma possível desaceleração significativa, dependendo da intensidade do choque comercial.

No entanto, a combinação de negociações bilaterais, concessões tarifárias e ausência de retaliações sistêmicas contribuiu para um cenário menos adverso. A estimativa de crescimento global para 2025 foi revisada de 2,8% para 3,2% — ainda inferior aos 3,3% registrados em 2024. Para 2026, espera-se leve desaceleração para 3,1%.

A revisão reflete a capacidade de adaptação das economias diante das medidas protecionistas dos EUA, que — embora tenham elevado o custo das importações — foram parcialmente neutralizadas por acordos que reduziram as tarifas efetivas.

A zona do euro segue com crescimento modesto, projetado em 1,2%, enquanto a China mantém ritmo de 4,8% sustentada por estímulos fiscais e consumo doméstico. Os EUA devem crescer 2,0%, impulsionados por políticas expansionistas e tarifas que favorecem a produção interna.

Na América Latina, o Brasil se destaca com projeção de 2,4% para 2025, embora a trajetória fiscal continue preocupante, com a dívida pública projetada para ultrapassar 90% do PIB nos próximos anos.

Apesar da resiliência observada, o FMI alerta para riscos latentes. Conflitos geopolíticos, eventos climáticos extremos e instabilidade política em grandes economias podem comprometer o crescimento. A fragmentação comercial e o aumento do protecionismo seguem como fatores estruturais que limitam o potencial de expansão global.

2. Incerteza

A reunião anual do FMI em 2025 foi marcada por um ambiente de incerteza sem precedentes. Nos Estados Unidos, as políticas conduzidas por Donald Trump são vistas como erráticas e dificultam a construção de cenários confiáveis.

Ainda que haja sinais de aproximação entre Washington e Pequim — com expectativa de um armistício tarifário —, prevalece a percepção de que as tarifas elevadas vieram para ficar, forçando uma reorganização das cadeias globais de valor e incentivando o comércio fora dos EUA.

A inflação, por ora contida, é outro foco de atenção. O acúmulo de estoques e o receio de represálias políticas têm retardado o repasse de custos, mas há consenso de que pressões inflacionárias sobre bens são inevitáveis. A possibilidade de uma aceleração súbita dos preços preocupa bancos centrais, que enfrentam dilemas entre manter estímulos e preservar a credibilidade.

A tentativa de Trump de ampliar sua influência sobre o Federal Reserve adiciona mais uma camada de instabilidade. Os ataques públicos ao presidente Jerome Powell e rumores sobre a substituição de dirigentes regionais geram apreensão nos mercados. Um movimento nesse sentido seria interpretado como uma ameaça à independência da autoridade monetária, com potenciais repercussões negativas sobre os ativos financeiros e a confiança dos investidores.

3. Geopolítica e Fragmentação Econômica

A escalada da guerra comercial entre Estados Unidos e China dominou os debates da reunião do FMI. A ameaça de tarifas de até 100% sobre produtos chineses feita por Trump provocou forte reação nos mercados, com quedas nos principais índices acionários americanos e asiáticos. A resposta de Pequim, com sanções portuárias e restrições comerciais, elevou o risco de uma ruptura estrutural nas cadeias globais de suprimentos e reacendeu temores de uma recessão sincronizada.

A diretora-gerente do FMI Kristalina Georgieva classificou o atual ambiente como o mais desafiador desde a crise financeira de 2008. A disputa entre Washington e Pequim transcende o comércio e se configura como um embate estratégico de longo prazo, envolvendo segurança nacional, tecnologia e influência geopolítica. A China intensificou medidas de retaliação, incluindo restrições à exportação de terras raras e investigações contra empresas americanas, enquanto os EUA reforçam sua postura protecionista.

A fragmentação econômica global se aprofunda, com países buscando alternativas às cadeias dominadas por EUA e China. A reconfiguração do comércio internacional, aliada à crescente regionalização da produção, pode reduzir ganhos de eficiência e elevar custos, pressionando a inflação e limitando o crescimento. Os mercados já precificam cenários de estagflação e recessão técnica nos EUA, enquanto emergentes enfrentam dilemas entre alinhamento geopolítico e preservação de autonomia econômica.

4. Competição Tecnológica entre EUA e China

A disputa tecnológica entre Estados Unidos e China consolidou-se como o novo eixo da geopolítica global. Mais do que uma corrida por inovação, trata-se de uma batalha por soberania digital, controle de dados e domínio sobre infraestruturas críticas.

Inteligência artificial, semicondutores, redes 5G/6G e computação quântica são os principais campos de confronto. Os EUA ampliaram restrições à exportação de chips avançados, especialmente os voltados para aplicações militares e de IA, afetando empresas como Nvidia, Intel e AMD. Em resposta, a China intensificou investimentos em autossuficiência tecnológica, com destaque para o plano “Made in China 2025”.

A guerra das redes se acirra com a Huawei liderando a implantação do 5G em países do Sul Global, enquanto os EUA promovem alternativas como a Open RAN. A disputa é técnica e política: Washington pressiona aliados a banirem empresas chinesas, alegando riscos à segurança nacional.

A competição se estende ao espaço sideral, com missões lunares, satélites e sistemas de navegação. A China lançou sua estação Tiangong e planeja uma base lunar até 2030, enquanto os EUA aceleram projetos similares.

A inteligência artificial é o campo mais sensível. A China lidera em aplicações de vigilância e automação industrial, enquanto os EUA dominam em modelos de linguagem e IA generativa. A regulação da IA tornou-se tema central em fóruns como G20 e ONU, com abordagens divergentes entre os blocos. A competição tecnológica redefine alianças globais.

Países como Índia, Brasil e Indonésia são cortejados por ambos os lados, enquanto a soberania digital ganha protagonismo nas agendas nacionais. A nova Guerra Fria será travada nos circuitos, algoritmos e satélites. A tecnologia deixou de ser apenas vetor de desenvolvimento para se tornar instrumento de poder. O futuro da ordem global dependerá da capacidade de equilibrar inovação, segurança e cooperação.

5. A bolha da inteligência artificial e o risco sistêmico

A ascensão da inteligência artificial como força motriz da nova economia global tem gerado entusiasmo e inquietação em igual medida. Os avanços em modelos de linguagem, automação e aplicações empresariais prometem ganhos de produtividade e disrupções em setores estratégicos como saúde, finanças e educação. No entanto, cresce o receio de que o atual boom tecnológico esteja alimentando uma bolha especulativa com potenciais implicações sistêmicas.

O FMI alertou para a semelhança entre os valuations das empresas de IA e os observados na bolha das empresas de tecnologia no início dos anos 2000. A analogia não é meramente retórica: o mercado de ações vive um ciclo de valorização acelerada, impulsionado por expectativas elevadas sobre o potencial transformador da IA. Indicadores como P/E, PEG e P/B já mostram sinais de estresse, embora ainda não tenham atingido os extremos históricos.

Paul Krugman, prêmio Nobel de Economia, observa que o que hoje se denomina inteligência artificial é, em essência, uma evolução de modelos estatísticos e algoritmos capazes de processar grandes volumes de dados e gerar respostas em linguagem natural. Embora não se trate de inteligência no sentido humano, a tecnologia representa uma inovação com implicações profundas para o trabalho, o consumo e a formulação de políticas públicas.

Há, contudo, diferenças relevantes em relação a bolhas anteriores. As empresas líderes do setor apresentam fundamentos sólidos, com receitas crescentes e balanços robustos. O mercado é dominado por poucos incumbentes, o que contrasta com o ambiente de competição desenfreada típico de bolhas passadas. Além disso, há maior vigilância regulatória: bancos centrais como o Banco da Inglaterra (BoE) e o Banco Central Europeu (BCE) monitoram os efeitos da IA sobre a estabilidade financeira, reconhecendo seu potencial disruptivo.

Apesar disso, os riscos não devem ser ignorados. A complexidade da engenharia financeira, como o financiamento cruzado entre grandes empresas de IA, levanta dúvidas sobre a sustentabilidade do modelo. A OpenAI, por exemplo, apesar de receitas bilionárias, nunca registrou lucro, evocando memórias das promessas não cumpridas da era das “dotcoms”.

Em um ambiente de alta alavancagem e concentração, uma correção abrupta nos preços de ativos poderia desencadear uma crise de liquidez com efeitos em cascata sobre outros setores da economia. Diante desse cenário, analistas recomendam cautela, diversificação e foco em fundamentos.

A inteligência artificial representa uma revolução tecnológica incontestável, mas seu impacto econômico dependerá da capacidade dos agentes de mercado de distinguir entre inovação genuína e especulação excessiva.

6. Moedas digitais estáveis

O futuro das finanças é digital e o mercado tem demonstrado agilidade em incorporar mudanças tecnológicas. As moedas digitais estáveis — stablecoins — emergiram como um dos pilares mais promissores da nova arquitetura financeira. Em contraste com a volatilidade das criptomoedas tradicionais, como Bitcoin e Ethereum, as stablecoins oferecem uma alternativa com valor estável, geralmente atrelado a ativos de referência como o dólar, o euro ou o ouro. Com uma capitalização que ultrapassou US$ 250 bilhões em 2025, essas moedas estão redesenhando os contornos da infraestrutura financeira global.

As stablecoins funcionam como ponte entre o sistema bancário tradicional e o universo cripto, permitindo transações rápidas, baratas e globais, com menor exposição à volatilidade. Existem três modelos principais: as lastreadas por ativos reais, como USDC e USDT, que mantêm reservas em moeda fiduciária ou títulos públicos; as colateralizadas por criptoativos, como DAI, que utilizam contratos inteligentes para garantir estabilidade via sobrecolateralização; e as algorítmicas, que ajustam automaticamente a oferta com base na demanda, embora enfrentem desafios de confiança e estabilidade.

Em 2025, as stablecoins deixaram de ser instrumentos periféricos e passaram a ocupar papel central na infraestrutura financeira. São utilizadas em pagamentos internacionais, liquidação de ativos tokenizados, operações de câmbio e como reserva de valor em economias com inflação elevada. A corrida global por moedas digitais estáveis reflete uma transformação sistêmica, com bancos centrais, fintechs e plataformas de blockchain disputando protagonismo na definição da moeda digital do futuro.

A interoperabilidade entre stablecoins privadas e moedas digitais de bancos centrais (CBDCs) é vista como passo crucial para a integração dos sistemas financeiros. Países como China, União Europeia e Brasil avançam em projetos de CBDCs, enquanto os EUA mantêm postura cautelosa, priorizando a regulação do setor privado.

A regulação das stablecoins tornou-se um dos temas mais sensíveis da agenda internacional. Três preocupações dominam o debate: estabilidade financeira, diante do risco sistêmico de ativos amplamente utilizados sem supervisão adequada; proteção ao consumidor, com exigência de transparência sobre reservas, governança e mecanismos de resgate; e prevenção à lavagem de dinheiro, com foco em compliance e rastreabilidade.

A caracterização jurídica das stablecoins varia conforme sua estrutura. Em alguns casos, são enquadradas como valores mobiliários, exigindo registro e supervisão. Em outros, são tratadas como instrumentos de pagamento ou ativos digitais, com regulação mais flexível. Essa diversidade regulatória reflete a complexidade do fenômeno e a necessidade de harmonização internacional.

As moedas digitais estáveis representam mais do que uma inovação tecnológica: são vetores de transformação institucional. Ao oferecer estabilidade, liquidez e interoperabilidade, desafiam os paradigmas do sistema financeiro tradicional e abrem caminho para uma economia verdadeiramente digital, inclusiva e global.

7. Independência do Fed

O Federal Reserve, pedra angular da credibilidade monetária dos Estados Unidos, enfrenta uma das mais intensas pressões políticas desde sua fundação. A eleição do presidente Donald Trump reacendeu uma série de ataques à autonomia da autoridade monetária, com implicações profundas para a estabilidade financeira, a condução da política econômica e a confiança institucional.

Um levantamento conduzido por Jon Hilsenrath em parceria com o Departamento de Economia da Duke University mostra que ex-dirigentes do Fed projetam inflação acima da meta de 2% até pelo menos 2027, com taxa de desemprego em torno de 4,5% nos próximos dois anos. Diante desse cenário, a recomendação majoritária é por cortes graduais na taxa de juros, aproximando-se do nível neutro estimado em 3%.

Contudo, os especialistas alertam para o risco de erro de política monetária, especialmente se houver interferência política que leve o Fed a afrouxar os juros de forma prematura. Este cenário poderia reacender pressões inflacionárias.

Nas últimas semanas, Trump intensificou sua ofensiva contra o Fed, com ameaças de demissão do presidente do Fed, Jerome Powell. Embora reconheça nos bastidores que a destituição de Powell poderia gerar volatilidade nos mercados, a retórica presidencial tem sido clara: o Fed deve seguir uma política monetária mais agressiva em favor do crescimento.

A independência do Fed é protegida por arcabouços legais e pela tradição institucional. A tentativa de demitir membros do conselho sem justa causa representa uma ruptura com essa tradição e levanta questionamentos jurídicos sobre os limites do poder executivo.

Analistas apontam que tais ações podem minar a confiança dos mercados na neutralidade da política monetária e comprometer a eficácia do Fed no combate à inflação.

A nomeação de aliados políticos para cargos técnicos também levanta preocupações sobre uma captura institucional, com risco de decisões monetárias orientadas por interesses eleitorais.

Diante desse cenário, ex-dirigentes do Fed manifestaram apoio ao governador Chris Waller como sucessor de Powell, destacando sua postura independente e técnica. A escolha de lideranças comprometidas com a autonomia institucional é vista como essencial para preservar a credibilidade do banco central.

A resiliência do Fed dependerá, portanto, da capacidade de seus membros de resistirem à pressão política, da atuação do Congresso em defesa da independência monetária e da vigilância da sociedade civil e dos mercados.

A ofensiva de Trump contra o Fed representa mais do que uma disputa sobre juros: é um teste sobre os limites da democracia institucional nos EUA. A independência do banco central não é um luxo tecnocrático, mas um pilar da estabilidade econômica e da confiança pública.

Se o Fed ceder à pressão política, corre o risco de repetir erros históricos de afrouxamento prematuro, que tiveram consequências inflacionárias duradouras. Por outro lado, resistir exige coragem institucional e apoio legislativo. O embate entre autonomia técnica e interferência presidencial será um dos capítulos mais decisivos da política econômica americana nos próximos anos.

8. Alta da Dívida Pública Global e o Conceito de “Debt-at-Risk”

Durante a reunião, o FMI apresentou um novo indicador chamado “Debt-at-Risk”, que estima a probabilidade de deterioração fiscal diante de choques externos e internos. O Brasil aparece entre os cinco países com maior risco de trajetória explosiva da dívida, ao lado de Egito, África do Sul, Turquia e Argentina.

O conceito de “Debt-at-Risk” combina métricas de sustentabilidade fiscal com variáveis de confiança institucional e volatilidade política. Países com déficits primários persistentes, baixa credibilidade e dependência de financiamento externo são os mais vulneráveis. O FMI recomenda reformas estruturais, revisão de subsídios, e fortalecimento de regras fiscais como medidas prioritárias.

No caso brasileiro, o relatório aponta que mesmo com crescimento moderado, a dívida tende a subir devido à rigidez do gasto obrigatório e à ausência de superávit primário. A proposta de arcabouço fiscal é vista como insuficiente para conter o avanço da dívida, especialmente diante da pressão por aumento de gastos sociais e investimentos públicos.

A reação dos mercados foi imediata: os prêmios de risco subiram, os CDS brasileiros se ampliaram em 15 pontos base e o real perdeu força frente ao dólar. A percepção de risco fiscal afeta diretamente o custo de capital, a atratividade dos ativos brasileiros e a capacidade do país de se financiar em condições favoráveis.

9. O Desafio Fiscal Brasileiro

O Fundo Monetário Internacional (FMI), em seu relatório Monitor Fiscal divulgado no último dia 15 de outubro, traçou um panorama preocupante sobre a trajetória da dívida pública brasileira, embora sem classificar o país formalmente como de “alto risco fiscal”.

A dívida pública bruta do Brasil deve atingir 91,4% do PIB em 2025. A tendência, no entanto, é de alta: o FMI estima que a dívida brasileira pode alcançar 98,1% do PIB até 2030, colocando o país entre os mais endividados do grupo de 38 economias emergentes analisadas.

Em 2025, o Brasil terá a quarta maior dívida pública entre essas economias, atrás apenas de Bahrein, Ucrânia e China.

O relatório alerta para vulnerabilidades crescentes, especialmente em função do cenário político e da proximidade das eleições presidenciais de 2026. O Fundo teme um novo salto da dívida caso medidas populistas ou expansivas sejam adotadas no próximo ciclo eleitoral, o que poderia comprometer a trajetória fiscal.

O governo Lula, por meio do ministro Fernando Haddad, insiste que o problema está nos juros altos e não no gasto primário. Essa narrativa, embora politicamente conveniente, ignora os riscos de deterioração da confiança dos investidores e das agências de rating.

A vulnerabilidade fiscal brasileira é agravada pela dependência de receitas voláteis e pela rigidez do gasto obrigatório. A proposta de arcabouço fiscal ainda não convenceu os analistas internacionais, que enxergam o país como potencial epicentro de instabilidade entre os emergentes. O Brasil precisa equilibrar o discurso desenvolvimentista com responsabilidade fiscal para evitar um cenário de dominância fiscal e perda de autonomia monetária.

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